segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pt. 2 (Era só cinema...)


Acabamos de voltar.

Entramos na galeria, toda fechada. Só o cinema nos esperando. Como só os velhos conhecidos são capazes de fazer: realmente com os braços abertos.

Passo a primeira porta de vidro. Três degraus para aí sim, a escada se apresentar á nossa direita. No ambiente, toca um jazz antigo.
Algo soava como Louis Armstrong.
Mas não garanto.

Subi ansioso o primeiro lance.
Inicio o segundo.
Ao final deste, me deparo com o salão principal de espera.
Majestoso! Tão velho e imponente! Somente a velha guarda consegue isso. Não existe simuladores de efeitos, sintetizadores ou photoshops tão bons quanto os olhos associados á memória.
Isso sim.
THE OLDSCHOOL RULEZ!

A sensação é indescritível.
O ambiente não.

Meus pés, sentem um leve afundar, no fofo do carpete antigo, em alguns pontos já gasto ao ponto de se tornar inaceitável para os mais moralistas. Ou apontadores que prezam mais pelos comentários desprezáveis do que o momento.
Para nós não.

Voltei ao tempo (comentado em algum texto do passado deste arquivo) em que cinemas eram só cinemas. Em que ia com meu pai. Onde se vendia quando muito pipoca e balas de goma. Havia lanterninhas! (Isso sim era uma profissão que valia á pena)
Sim! Elas ainda estavam lá. As mesmas balas da minha infância. Paradas. Observando o pouco, quase nulo movimento de pessoas. Os cartazes ao redor. Sufocadas pelo ar quente que saía da antiga estufa que aprisionava as pipocas. Com certeza a maioria das pipocas não ia ser comida aquela noite...
O carpete fofo, antigo e com desenhos geométricos próximos á triângulos, em tons avermelhados, esquentam o ambiente.

Uma espécie de efeito-borboleta. De volta ao passado.

As poltronas INDIVIDUAIS (PASMEM!), para aguarde do início da sessão, continuam no mesmo tom de marrom. E estranhas de sentar também, pelo seu tamanho anormal (acima da média).
Um casal, aparentando uns 50,55 anos chega. Se senta. Nos cumprimenta com a cabeça. Sorriso tímido, mas amigável.
Bons tempos, quando pessoas eram só pessoas.
Nostalgia do tempo que não vivi...Mas só de entrar em contato com resquícios sinto saudade. Um aperto no peito do que podia ter sido e não foi.
(NOTA: Mas não precisa muito juízo pra perceber que o hoje está perdido na maior parte né?)

Ao fundo, todo o vasto corpo, de 03 funcionários presentes (1 menino de aproximadamente 18 anos, uma mulher de no máximo 25 e um senhor aparentando seus 40 - e que mandava nos 2! resmungando ao fundo alguma conversa sobre a possibilidade de se ver através do celular, as imagens da câmera recém instalada. Uma câmera. Solitária também) conversando e rindo. Nada escandaloso. Mas com apenas 8 pessoas ao total no saguão principal, tomava dimensões maiores que o normal, naturalmente.

Filme e?
...pipoca! Lá vamos nós...

- 02 pipocas, 02 refrigerantes gigantes. Obrigado!

Pipoca ruim. Sem manteiga. Sem sal. Meio murcha...
Meio só. Devia estar misturada com a antiga. Mas naquele lugar, até a pipoca se tornou suportável. Gostosa não se tornaria nunca. Mas combinava com o local. E conosco também.

Solto uma pro gordo...
- Irmão, aqui é o cúmulo do underground hoje em dia, é mole?! Pffff...! Um lugar normal quando a gente era criança, se tornou o reduto de casais cult, solitários de plantão -sem aceitação suficiente para encarar uma fila de cinemark- (tirando a cara de psicopatas que esses solitários de plantão tem. Tinha um que lembrava bastante o Michael Douglas naquele 'Um dia de fúria'. Juro que torci para ele não estar em um, por alguns instantes.) e conservadores inveterados de uma boa sessão, uma boa sala de cinema á moda antiga. Do ato. Não aparência. Da essência. Nós nos incluímos nesse último grupo.

Cena final: Gordo lendo uma revista que eu acabara de comprar, eu maravilhado com aquelas luzes antigas no centro do salão e 2 feixes do asterisco (desenho que era formado pelo conjunto de lâmpadas) queimados, o carpete fofo, as balas de goma, a câmera solitária, o ar pesado, o jazz antigo acelerado no trompete... Sem esquecer daquelas uvas passas cobertas com chocolate que somente os que tem mais de 25 conhecem- Pan!. Adicionaram uns suflairs também. Nada de mais.

A moça se levanta 8 minutos atrasada:
-Podem entregar as fichinhas que o filme vai começar !
(Chamou no gogó mesmo...)

Estávamos entrando e o filme já havia começado. Sem reclames de brigada de incêndio nem traillers. Direto. Os mais metafóricos soltariam um: 'no pêlo'!

Estava de novo entre as cadeiras de couro marrom que não dobram, os acabamentos de madeira maciça e aquela sensação de reencontrar meu pai com meu olhar de pequenininho. Encontrei ali aquela saudade de criança. Exatamente escondido entre as frestas do acabamento que já começava a abrir.
Achei mais um pedaço meu que havia esquecido por aí.
Quando esquecer não tinha problema.
Quando era só pequeno.

Só uma sala.

Só um filme.

Só um cinema...



CONTINUA

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